Depoimento de Anita
Denise,
Isso vai ser longo, me desculpe.
Hoje, um dia de dores, me vem a tal da inspiração para lhe contar a minha história com fibromyalgia (he he he), mas passa...
Nessa altura da história da minha doença, as dores, extremamente intensas, estão concentradas no osso occipital (como já lhe tinha dito), nas palmas das mãos e nas solas dos pés. Por sorte ou por um feito biológico qualquer nunca tive dores nos joelhos (mas muitas pessoas que sofrem dessa doença têm). Já tive dores extremamente intensas nos ombros (mas já lhe explico como passaram) e na altura do osso sacro. Ah, sempre tive (desde criança) uma gastrite nervosa, que, afinal de contas, eu acho, pode ser associada a fibromyalgia, ou pode ter contribuído para que ela aparecesse. Por quê? A minha gastrite, como o nome mesmo diz, é nervosa (rs...), ou seja, é provocada, no meu caso, por excesso de estresse ou por distúrbios emocionais. Logo, a gastrite nervosa é uma doença de origem psico-neurológica, assim como também é a tal da fibromyalgia.
Mas vamos lá ao relato. Dormir, oh Deus, sempre me foi muito complexo. Em criança (até aos sete anos, mais ou menos) dormia mal porque tinha pesadelos horríveis – sempre acordava no meio da noite suando, chorando e com mil imagens na mente -- aquela coisa toda que mais parece um daqueles filmes Poltergeister (rs...). Ah, era muito magra por conta, acho, da gastrite (mas não íamos ao médico – então não sei dizer com certeza). Só sei que tive que aprender por mim mesma a lidar com comida. Eram poucas as coisas que eu podia comer e que não me faziam mal. A mamãe vivia me fazendo um chá de boldo (rs...) porque eu sempre estava “passando mal do estômago”, como eles diziam.
Bem, com a ida para a escola, parece que as coisas melhoraram. Me ocupava mais em aprender e, acho, me cansava mais, e, por isso, acabava dormindo. Foi assim que passei bem pela puberdade (com uma aparência bem saudável) e até ganhei uns quilinhos a mais. A gastrite estava meio que controlada... e os pesadelos tinham diminuído bastante.
Mas a partir dos dezoito anos, comecei a ter dificuldades em dormir novamente. Me lembro como se fosse hoje da primeira noite que passei em claro, foi horrível. Não entendia porque não conseguia dormir. Fiquei um ano me sentindo muito mal. Mas o cansaço da faculdade, do trabalho, e do estresse da vida em geral junto à juventude, acho, acabavam por me ajudar a dormir, de vez em quando, mesmo que mal. E fui levando...
Ah, dois pesadelos que eu costumava a ter em criança voltaram a se repetir constantemente. Um dia falo sobre isso (mesmo porque quase não os tenho mais. Muito de vez em quando um ou outro se repete)
Aos 26 anos vim para os Estados Unidos (isso faz um pouco mais de dez anos) para fazer mestrado. Aqui comecei a me sentir muito deprimida (essas coisas de se estar longe de casa, noutro país, sabe como é, né?). A depressão só veio a agravar a insônia. E aí passei a ter dores fortíssimas nos ombros, geralmente pela manha. Fica muito indisposta e de mau-humor. As pessoas diziam que eu estava estressada e precisava me relaxar, mas qual o quê!? Fiquei nessa: insônia, pesadelos que retornaram, depressão e o agravante: dores musculares terríveis (estava na casa dos 27 anos), e foi quando conheci o meu ex-marido (que é médico – clínico geral). Com o passar do tempo fui contando a ele os problemas de saúde que tinha, e ele também observava todo o meu comportamento, claro. Por volta dos meus trinta anos, ele começou a me tratar com remédio para depressão. (Ah, por eu ter sido casada com ele, não queria contar essa história num post do seu blog, você compreende agora, né?).
Os efeitos colaterais dos remédios me faziam muito mal. Me dei mais ou menos bem com Paxil. Parece que ajudou a melhorar o humor, mas não passou as dores musculares. Foi aí que um dia ele (o meu ex-marido) sugeriu a possibilidade de eu ter fibromialgia. Não era a especialidade dele, como não é a de quase ninguém, infelizmente. Então, passamos a estudar juntos, mas aos poucos, sobre o assunto. Bem, fizemos (ele?) muitas descobertas: eu não sofria de depressão, mas tinha uma TPM muito difícil e dores musculares que eram causadas por estresse e problemas emocionais. Por isso tudo, não dormia (esse era o problema pior). Ele me deu um remédio chamado “Lorazepam”, que é o genérico de Ativan, 2 mg. A primeira vez que o tomei (uns 4 anos atrás), dormi feito pedra. Daí continuei a tomar o remédio. A vida estava boa, e eu menos dependente emocionalmente (isso e confuso). Acontece que o casamento começou a se desestabilizar. Em 2002 nos separamos, e só depois de mais de um ano, iríamos a nos divorciar, em 2003 (um mês antes de eu me mudar daquele estado). Esse processo todo me levou a uma crise emocional fortíssima (a pior da minha vida). Você sabe o que é um divórcio.
Em julho de 2003 fui ao Brasil. Tinha perdido muito peso. Estava abusando dos remédios para dormir. Por conseqüência minha saúde tinha deteriorado bastante. No Brasil fiz uma endoscopia e tratamento para a gastrite. Tomei uns remédios que supostamente matam uma bactéria que todos nós, do terceiro mundo, segundo o médico, temos (isso é engraçado). Ele disse que vivemos bem com ela, mas algumas pessoas não. E disse mais: que no meu caso podia ser que não fizesse diferença nenhuma porque ele desconfia do óbvio: minha gastrite se agravava por causa de problemas psicológicos. Mas tomei tudo. Voltei aos Estados Unidos. Finalizamos o divórcio. Recomecei a estudar (depois de anos) e fui morar sozinha, pela primeira vez. No primeiro ano (agosto de 2003 a agosto de 2004 mais ou menos), ainda sofri bastante. Mas também tive que sobreviver por mim mesma. Isso foi o que fiz:
Comecei a fazer exercícios físicos com freqüência: caminhadas, depois natação, depois musculação, correr, pular corda e alongamentos. Experimentei tudo para ver o que funcionava melhor. O objetivo era me cansar o máximo para poder dormir à noite, mas mesmo assim tomando o remédio (que já não fazia tanto efeito e nem faz mais).
Percebi que muito que muito exercício, piorava. Eu sentia mais dores. Agora ando mais moderada. A musculação me ajudou a desenvolver os músculos, principalmente os dos braços que sempre foram fracos.
Comecei a escrever um diário privado de TPM. E isso foi uma das melhores coisas que já fiz para me auto-avaliar. Antes eu não acreditava em TPM, agora sou crentona. É incrível como sou outra durante a TPM. No início só escrevia os sintomas e as coisas que eu tinha feito naqueles dias. Vou colar aqui um exemplo para você. Aí vai:
02 de setembro de 04
Ontem à noite tive uma crise horrível. Antes de dormir fiquei imaginando uma situação dramática e chorei desesperadamente. Não conseguia dormir e tive que tomar 2 lorazepams. Esse calmante já não produz efeito algum em mim. Tenho que aumentar as doses. O melhor mesmo seria parar de vez.
Hoje acordei muito mal. Tinha planejado me levantar às 6:30 e fazer cooper, mas quando o relógio despertou sentia-me tão exausta que fiquei na cama até às 8:00. Conclusão, agora à noite não estou com sono. À tardezinha fui andar de bicicleta com o Jim e a Alessandra, fiz um alongamento, e agora tomo sopa. Depois vou tomar banho e ir devolver uns filmes na biblioteca. Quando voltar, vou ler até meia-noite mais ou menos. Vou tentar dormir tomando só um lorazepam. Que Deus me ajude! Ah, minha colicazinha está aumentado. Comecei também a sentir a cabeça tonta e sei que estou inchando, ou melhor, retendo água.
Ah, tenho tomado vitamina B6 este mês porque me disseram que ajuda a aliviar os sintomas da TPM. Não sei se é verdade. Acho que deveria tomá-la todos os dias do mês. Não sei ainda o que vou fazer.
03 de setembro de 04
Hoje estou muito bem sendo este já o trigésimo segundo dia do início da minha última menstruação. Quase não tenho nenhum sintoma físico: os seios não estão inchados, nem doloridos, mas a cabeça está um pouco zonza, a fome passou, e voltei a não ter vontade de comer quase nada - o que é outro problema que tenho, creio, ou talvez seja só genético mesmo, uma vez que o meu pai quase nunca come nada também. Ontem fui andar de bicicleta com o Jim e a Alessandra. Andamos por umas duas horas e me cansei muito, e como não tinha dormido bem a noite anterior devido àquela crise de choro, tomei ontem um lorazepam e dormi logo. Hoje sinto-me muito descansada e com bastante energia apesar de já serem 11:30 da noite. É sempre assim – se durmo bem uma noite, pode esquecer que na outra o destino é a insônia, mesmo tomando tranqüilizante. Vou tentar dormir à meia-noite como sempre tento fazer, mas que nem sempre funciona.
Bem, hoje o relógio despertou às 6:20 como de costume, mas me levantei as 7:20. Aprontei e fui pra escola de bicicleta. Minhas pernas e minha bunda doíam muito por causa do passeio da noite anterior que foi um custo chegar ao campus. Dei minhas aulas de manhã e voltei pra casa. Meu erro foi tirar um cochilo breve. Sono, tenho que sempre poupá-lo para a noite, ou então me arrependo amargamente. Depois fui à piscina e nadei um pouco, muito pouco mesmo. Agora à noite queria fazer um alongamento porque sempre me relaxo, mas estou exausta...talvez seja uma boa idéia. Sei que estou muito emocional, mas estou bem consciente que são os efeitos da TPM, por isso não estou tão desesperada. Estou tentando não ligar pra todo mundo como sempre faço. O mais longo que a minha menstruação demorou pra chegar no passado foram 34 dias, mas como nunca contei com regularidade, então não há como estar cem por cento certa.
04 de setembro de 04
Veio hoje no trigésimo quarto dia do último ciclo. De fato, é apenas uma mancha de sangue; isso acontece – às vezes vem bastante logo no primeiro dia, e às vezes só mancha pra vir com força no segundo dia. É dessa última maneira que vai acontecer este mês. Estou hoje muito ansiosa e irritada. Limpei a casa inteira, mudei os móveis de lugar, e meu estômago dói. Nadei à tarde. Tentei fazer alongamento, mas não tive paciência. Parece que não vou dormir bem. Ontem à noite consegui adormecer por volta da uma da manhã e dormi bem até às oito hoje.
O que foi bom este mês é que só senti os sintomas da TPM durante seis dias. Entretanto, parece que às vezes sinto-os por duas semanas. Vamos ver o que acontece no mês que vem.
Mais recente
09 de dezembro de 05
Meu estômago dói. Nadei. Só isso.
10 de dezembro de 05
Sinto como se ela fosse vir amanhã. Tomara. A cabeça está um pouco dolorida, só atrás. Os olhos cansados, e aquela dorzinha logo acima da vagina são a indicação de que está chegando. Se não vier amanhã, acho que não passa de segunda. Mas amanhã é apenas o vigésimo oitavo dia, e ela geralmente vem no trigésimo, que, no caso, seria terça-feira. A última foi no trigésimo segundo.
12 de dezembro de 05
Trigésimo dia desde a minha última menstruação e ela ainda não veio. Acho que de amanhã não passa. Hoje estou com o corpo mole, os olhos doloridos. Acho que é porque fiz muito exercício ontem. Então fico assim toda cansadinha. Mas não estou irritada e nem ansiosa. Estou calma, apesar de não estar totalmente relaxada.
13 de dezembro de 05
Veio hoje uma mancha. Trigésimo primeiro dia. Estou tão relaxada que estou quase pegando no sono, e ainda não são 8 horas da noite. Nadei e fiz musculação hoje. Espero não estar muito cansada amanhã.
Bem, quando começo a sentir os sintomas da TPM, procuro escrever tudo o que faço e como me sinto. O diário tem sido uma grande terapia e fonte de auto-conhecimento.
Ultimamente tenho procurado a desenvolver técnicas de meditação e respiração. Ou seja, praticá-las. À noite antes de dormir, respiro bem fundo até encher os pulmões e ao mesmo tempo contraio todos os músculos do corpo, seguro por uns 20 segundos (mas tinha começado com menos antes), depois à medida que solto o ar pela boca bem devagar, vou também descontraindo os músculos. Isso é um bom exercício. Umas três vezes são o suficiente, mas às vezes faço mais.
Aprendi alguns exercícios de Thai Chi e os faço, de vez em quando.
Ainda tomo aquele remédio e acho que vou tomá-lo por mais um ano (até acabar o PhD). Já tentei parar, mas os efeitos de withdraw foram horríveis demais. Não agüentei.
Acho que estou indo bem. Ou seja, a minha fibromyalgia está, até certo ponto, sob controle. Preciso de rotina: ir para cama no mesmo horário, exercícios regulares (o alongamento é o principal), cuidado com o que como e tomar o remédio. É isso.
Mas antes de terminar, deixa eu ser um pouco dramática (oh não!), e falar da minha dor. Aí vai: às vezes é tão intensa que a dor interior, provinda do músculo, faz com que eu tenha a sensação de não sentir nem as mãos nem os pés. Com a cabeça, o negócio é diferente, eu sinto a dor lá, mas a dor me deixa completamente atrapalhada e confusa por ser de muita intensidade. Então o que faço? No caso das mãos: mordo o lado da palma da mão com muita força para ver se a dor exterior neutraliza a interior, ou pelo menos, a quebra. Ou então faça com que eu sinta a mão de volta. Coisa de louco, né? Eu sei. Já mordi a mão quase até sangrar. Acontece que quando começo a sentir a dor exterior, parece que a interior diminui. É uma troca, eu sei. E no fim fica tudo bem – só com uma marca rocha na mão ;-). Com o pé não dá pra fazer nada não, o jeito é agüentar. Com o osso occipital, aperto com os dedos o mais forte que posso, se pudesse furava. É o mesmo processo com a mão. Sou meio doida mesmo. Às vezes brinco dizendo para minha irmã que se me cortassem fora as mãos, os pés, e o pescoço eu ficaria bem ;-).
Tive pensando que esses são os três pontos por onde se sai a energia (ou seja o que for) do corpo.... não sei.
Nossa Denise, isso está longo. Para terminar só queria lhe dizer que o que sei sobre fibromyalgia é basicamente através de leituras e pelo que sinto, por isso não sei se posso ajudar muito em matéria de informações. Não tenho um médico no momento. Só vou ao centro médico da universidade para pedir a prescrição para o tal remédio. Eles não gostam, mas dão. E às vezes o meu irmão me manda do Brasil. Por isso, fico muito contente que você tenha uma página dedicada a fibromialgia agora, que você esteja indo ao médico procurando tratamento. E que talvez vá poder nos ajudar muito. Ah, e espero também que você se sinta melhor.
A última coisa: alguém comentou no seu blog que talvez essa fosse uma doença só de mulheres, e de mulheres chegando à meia-idade (algo mais ou menos assim). Mas já li que a fibromyalgia dá em jovens e até em crianças também, de ambos os sexos.
Obrigada por tudo.
Anita
P.S. Se as minhas palavras soaram meio deprimentes, queria lhe dizer que não me sinto assim não. A atitude é o que conta, e é por isso que gosta do seu blog e das coisas que você diz. Agora, também não vou ficar escondendo a doença. Isso é besteira.
<< Home